A origem silenciosa - e intestinal - das doenças cardiovasculares
As doenças cardiovasculares (DCV) frequentemente são precedidas por disfunções metabólicas “silenciosas”, por vários e vários anos, até repercutirem no desenvolvimento de uma patologia do sistema cardiovascular. Entre essas condições podemos citar o aumento da concentração de glicose sérica, que deflagra a hiperinsulinemia - que, por sua vez, pode levar a resistência à insulina - e a piora do perfil lipídico. Em ambos os quadros, assim como no desenvolvimento das condições cardiovasculares em si, a inflamação crônica de baixo grau é um pano de fundo importante. E esse estado inflamatório tem considerável influência da microbiota.
Em um contexto de disbiose, ou seja, um desequilíbrio entre as espécies bacterianas, com prevalência daquelas de caráter patogênico, a integridade da barreira intestinal fica comprometida. Essa contenção física é importante para evitar a entrada de antígenos não próprios (como as bactérias e seus metabólitos) na corrente sanguínea, tendo em vista que a sua presença na circulação pode deflagrar a resposta das células imunológicas - a inflamação.
Quando a permeabilidade intestinal aumenta como resultado de uma composição microbiana desfavorável, os metabólitos produzidos por essas bactérias costumam ter uma natureza altamente pró-inflamatória, e sua presença constante no sangue, ocasiona o estado de inflamação crônica de baixo grau que costuma ser a origem silenciosa - e intestinal das doenças cardiovasculares.
A microbiota nas DCV
Antes de caracterizar algumas peculiaridades e mecanismos pelos quais os microrganismos que habitam o intestino podem influenciar o aparecimento das DCV, vale ressaltar que indivíduos com fatores de risco para, ou já diagnosticados com essas condições, geralmente fazem uso de polifarmácia. Esse fato dificulta a clara identificação do que é a influência da microbiota na progressão das doenças e o que pode ser uma consequência da medicação ou das comorbidades prévias na composição e função dos microrganismos.
Uma menor abundância de bactérias com caráter mais anti-inflamatório e relativo aumento de espécies consideradas patogênicas - como Escherichia coli, Klebsiella spp. e Enterobacter aerogenes - é uma característica comumente observada em indivíduos portadores de doenças cardiovasculares.
Do ponto de vista funcional, dois atributos marcantes do microbioma que apresentam íntima relação com o desenvolvimento e a progressão das doenças cardiovasculares são:
Redução da capacidade fermentativa, resultado da menor presença de espécies produtoras de ácidos graxos de cadeia curta - um tipo de metabólito microbiano que apresenta característica anti -inflamatória e com benefícios para o controle do peso e glicemia;
Aumento da maquinaria (transportadores de aminoácidos e enzimas) associada à produção de metabólitos bacterianos com característica pró inflamatória como o LPS e a trimetilamina (que pode ser oxidado à TMAO).
O LPS - lipopolissacarídeo bacteriano - apresenta uma significativa relação com o quadro de endotoxemia que leva ao estado de inflamação crônica de baixo grau citado acima. Já os níveis plasmáticos aumentados de TMAO estão associados com maior acúmulo de ácidos graxos nas paredes dos vasos sanguíneos, no fígado, nos depósitos adiposos viscerais e, consequentemente, tem forte correlação com o surgimento da aterosclerose - uma das manifestações iniciais que culminam em eventos cardíacos potencialmente fatais.
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Referências bibliográficas
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Gomaa, E. Z. (2020). Human gut microbiota/microbiome in health and diseases: a review. Antonie van Leeuwenhoek. doi:10.1007/s10482-020-01474-7
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